sábado, 27 de setembro de 2014

são cosme e damião

o ônibus faz a curva na praça da Cruz Vermelha e pára.
na fresta da porta, uma voz miúda pede pra entrar por trás. 
antes de abrir o motorista avisa: "podem entrar, mas se fizer bagunça pego os doces todos pra mim!"
vem um atrás do outro, um menor que o outro carregado de bananada, maria-mole, suspiro, pingo de leite, doce de abóbora, cocô de rato.
nem cabe na mão.
silêncio. 
passa um tempo, umas risadas, uns cochichos e vem ele
com um punhado de doce na mão esticada pela roleta. 
"ô, motorista!"
sorrindo pelo retrovisor o motorista: "quero só a bananada, só a bananada tá bom"

<3

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Abismar-se: lufada de aniquilamento que atinge o sujeito apaixonado por desespero ou por excesso 

de satisfação.


Por mágoa ou por felicidade, sinto às vezes vontade de me abismar.


Manhã (no campo) cinzenta e amena. Sofro (desconheço o motivo). Surge uma ideia de suicídio,

, desprovida de ressentimento (sem chantagem com ninguém); é uma ideia neutra; não rompe nada 

(não "quebra" nada); combina com a cor (com o silêncio, o abandono) dessa manhã.

Um outro dia, embaixo da chuva, esperamos os barco à beira de um lago; a mesma lufada de 

aniquilamento me atinge, dessa vez por felicidade. Assim, às vezes a infelicidade ou a alegria 

desabam sobre mim, sem nenhun tumulto posterior: nenhum outro sofrimento: estou dissolvido, e não 

em.pedaços; caio, escorro, derreto. Este pensamento levemente tocado, experimentado, tateado 

(como se tateia a água com o pé) pode voltar. Ele nada tem de solene. É exatamente a sensibilidade.