sábado, 29 de dezembro de 2012

samba e amor até mais tarde em noite de verão

sal e lua.
lua cheia.
os caboclos da cidade se ajuntam.
aí é batata: batuque. 
toma os corpos, que desenham grande roda:
as cores poem-se a cirandar.
deito os olhos num moço de sorriso largo, emocionado, bonito de ver.
os braços pro alto como quem se solta no mundo.
senti toda a onda me atravessar.
"o mar já veio até aqui".
o mar está aqui. 


 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

os rios de cada nascente
de dentro de mim, num repente,
desaguam no mesmo mar.
o rosto não dá vazão.
transborda pelo pescoço, rabiscando a pele de sal.
com tanta fonte
quem é capaz de qualquer horizonte?







terça-feira, 6 de novembro de 2012

quem muito busca o original
perde as variâncias.
a obsessão por fins e começos decreta a morte dos meios.


quarta-feira, 31 de outubro de 2012

tem muita coisa acontecendo na minha cabeça.
tamanho movimento me leva à paralisia.
gente passando sem dizer a que veio
as gentes coloridas todas misturadas
me deixaram em branco.


domingo, 7 de outubro de 2012

Receita de chá de sumiço

de tanto ficar lá com saudade de cá
e cá com vontade de lá,
resolvi dar um jeito nisso!
juntei uns ingredientes e criei minha receita de chá de sumiço.

quando nenhum é o melhor lugar
e se deseja o tempo suspenso
vontade não pode faltar
de fugir de todo bom senso.

tire duas colheres de outros
e todas as obrigações do dia
procure o lugar mais saboroso
e encha a panela vazia.

coloque prazeres a gosto
mas não esqueça o espaço do nada.
sem ele não há receita, moço,
que não acabe frustrada.

à quantidade tomada
deve-se ter atenção
é preciso justa medida
para que os pés retornem ao chão.





toda sua superioridade desaparece quando me lança aquele olhar superior junto de silencioso desprezo.
por que sinto que devo te prestar contas? por que me incomoda tanto essa rejeição?
a hostilidade está nas pequenas coisas.
já a gentileza é grandiosa.
subversão é poesia.

sábado, 6 de outubro de 2012

busco natureza antes que tudo vire concreto.
busco humanos antes que nos tornemos máquinas.
busco amor antes que nos peitos dos homens só se encontre inóspito deserto.
busco outros antes que só exista eu.

sábado, 22 de setembro de 2012

da importância do movimento

quando chegar o dia
que eu estiver com tudo em dia
pegue na minha mão fria
e me enterre com toda monotonia.


domingo, 16 de setembro de 2012

da importância do silêncio

frente a palavras vazias
a importância do silêncio.

frente a palavras não praticadas
a importância do silêncio.

frente a falta de palavras
a beleza do silêncio.

a todo amor, todo o silêncio
todo olhar, todo toque, todo cheiro
silêncio, espaço todo para se rasgar em palavra.

sábado, 15 de setembro de 2012

morte

decompor é recompor
voltar ao meio de onde nunca se partiu
mudar de forma pra se perceber árvore
folha, terra, larva e pequenos dejetos
enquanto novos homens brotam do chão.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

quando, de repente, a saudade sumiu
percebi que fácil é declarar-me sem sentir nada
fantasiar-me em planos diversos
vivendo anestesiada.

era fácil não só pra mim.

e me senti meio um saco vazio
meio de saco cheio
querendo me encher mais de amor
menos de devaneio.

se quisesse viver de fato
iria direto ao ponto
sem deixar espaço pra tanto hiato
no que devia ser simples encontro.

não tem idade que impeça
nem circunstância que atravanque
o que se deseja à beça
e não há nada que estanque.

já nem levanto da cama.
vejo saindo o reboco
deixando exposto o tanto
que agora parece tão oco.







"- e tu, separou por que?
- ficou chato.
- de repente?
- não, aos poucos. acho que é sempre assim, acontece aos poucos e a gente percebe de repente. quando acontece alguma coisa, alguma coisa banal."

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

sábado, 28 de julho de 2012

manoel de mim

de tempo em tempo
vem aquele tempo
de ser ninguém
que brota bem de dentro.

tempo de largar malas prontas e sair de mim só com a roupa do corpo.
ou sem ela.
ser atingido por outras tempestades.
enterrando passos, riachando mãos e nucas, costas descendo em cachoeira.
aninhados passarinhos, quentinhos de sol e frescos de sombra.
coloridos até de cinza.

comendo minhoca, vida descendo goela abaixo.

sair da toca
morar na oca
comer mandioca

dá pra imaginar? fazer festejo pro sol até o sol raiar.



"as coisas jogadas fora
tem grande importância.
- como um homem jogado fora.

aliás é também objeto de poesia
saber qual período médio
que um homem jogado fora
pode permanecer na terra sem nascerem
em sua boca as raízes da escória."

terça-feira, 24 de julho de 2012

estou doente.
a doença do pavor e do desespero me devorou mais do que a da carne.
pras doenças de hoje, os remédios da castração.
a moral que me adoece.
não quero me desviar dos riscos reais, mas até que ponto eles são os reais riscos?
o tempo todo se protegendo, se mantendo intacto da vida, pra morrer limpo.
cheio de sujeira debaixo do tapete.
às vezes me sinto em estágio terminal desse mal moral e acho que só resta me exilar, me refugiar nos livros ou no meio da mata densa.
mas não acho que o bom comportamento seja a cura dessa doença.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

como gostasse de sentir saudades
afastou-se do presente
e assistiu-o de longe.
achou o que inventava mais bonito.
a memória do que viveu um dia era sua obra-prima.
coisa fina!
o tempo não podia corroer.
aquele choro sem som de tristeza em dias chuvosos não poderia molhá-la
assim como o suor de um dia inteiro de amor rolado na cama não a deixaria salgada.
a reluzente pele morena totalmente exposta em sol radiante não a cega.
o leve toque na nuca desembocado em gostoso cafuné não a arrepia.
o cúmplice silêncio não pode se fazer ouvir.
permanecerá para sempre impenetrável à toda doçura de viver.





sábado, 7 de julho de 2012

ainda vai chegar o dia
que só a poesia vai fazer sentido
o dia, dia bonito, que eu parar de buscar sentido
e achar sentindo.

sábado, 23 de junho de 2012

Letícias

te cercam.
"de amor" eles dizem.
que felicidade é estar cercado de amor!
felicidade é estar cercado?
cerca é cerca.
"é preciso ser livre!" dizem.
o que é esta obrigação de liberdade senão mais uma prisão?
é preciso sentir, antes de tudo. E é preciso porque sentir é o que vem antes de tudo.
pode ser que teu vento te leve pra longe, pode ser que te rode, te mude, te embole e te deixe no mesmo lugar, que o mesmo já não é mais.
o que importa é não estar cercado nem de amor nem de liberdade.
o que importa é estar livre de amor e liberdade, levado pelo vento do mais fundo sentimento.






quarta-feira, 6 de junho de 2012

Correição

formigas: assim como chegaram, partiram.
de surpresa tomaram todo o espaço, nos deixando ao mesmo tempo assustados e maravilhados.
não havia o que fazer senão sair do caminho e esperar.
homens: chegaram e não partiram.
de surpresa tomaram todo o espaço, nos deixando bem mais assustados do que maravilhados, matando outros  homens e destruindo tudo pelo caminho.
não dá para sair do caminho nem para esperar.

invejei esse amor recíproco que nunca pude te dar e agora tens.
invejei a capacidade do teu coração de despertar.
o meu anda numa calmaria angustiante. ou em uma euforia doentia disfarçada sabe-se lá de amor.
que por muito tempo achei que fosse, mas agora tendo a duvidar.

(Não) tão simples

ou ama ou não ama
ou sofre ou não sofre
ou sofre ou não ama
ou ama ou não sofre
sempre se esmagando para caber na forma das palavras.
ando mais preocupada com o mundo do que comigo.
alguns pesos que se travestem de sentido exigem força, força que não posso desperdiçar.
força que preciso para me inflar e espalhar a leveza por aí.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Calma, Beth, calma.
Calma nada, canta.
tão bonito teu cantar! vive, que esse domingo tem cheiro de flor.
me canta em lágrima e calmaria, de peito aberto pro mundo.

sábado, 31 de março de 2012

cartola

dançarolando na calçada,
na rua, por entre os carros, rodopiando com transeuntes aquele samba
que o vento espalha por aí.
corra e olha o céu, sente o azul e branco da velha guarda das nuvens.

sábado, 24 de março de 2012

Em desajeitada conversa, a ponta dos dedos se esbarra
leve, mas contundente.
Como bala, o toque dispara percorrendo todo o corpo em arrepio.
A energia de almas
tão opostas 
as atrai.
abstraindo-as do chão, do concreto, das almas semelhantes.
Como animais, se olham, se cheiram, se sentem e a conversa não passa de aparentes grunhidos que só fazem sentido porque saem da boca da alma.
O cheiro do novo instiga fome curiosa!
Espero ser devorada, mas num repente você volta a sua condição de bicho-homem, atormentado pela consciência, e foge acuado, com medo do seu próprio desejo.

sábado, 10 de março de 2012

quando cheia, quase dia, a lua toda-toda lumia.
lumia lá o santo antônio na janela da igrejinha, em meio a cidade minguando na escuridão.
ao meu lado, jovem beijo apaixonado, borra tudo de amor.
eu, descrente do amor e do santo, fico pensando se vale uma última oração.

terça-feira, 6 de março de 2012

é tanta coisa pra pensar que não cabe na cabeça. desceu pro peito.
não é possível desquerer depois de tanto querer. não sei se é vontade antiga ou se é vontade nova, mas vontade é como o rio infinito que não cabe no nosso tempo.
como pode toda essa presença me parecer tão distante? me pego vomitando palavras disfarçadas, mascarando coisas que quero dizer, mesmo sem saber ao certo o que são.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

e, de repente, uma ventania inesperada tirou tudo do lugar.
lugar de cada coisa que eu demorei tanto para conseguir organizar. por causa do vento, a saudade e a tristeza se espalharam sem dó, empoeirando tudo de sombra. a cada segundo, toda água saía dos olhos e me naufragava a alma. a cabeça, que deveria ser salva-vidas, virou âncora. me arrastou para o fundo e me deixou presa nas relações que agora tomam forma de fim. se acabam aos poucos, com gritos de dor de corpos que já não mais sustentam viver. os urros que nos deixam surdos e perdidos, desesperados para salvar já não se sabe mais o que, talvez nós mesmos.
e, de repente, uma ventania inesperada tirou tudo do lugar.
lugar de cada coisa que eu demorei tanto para conseguir organizar. por causa do vento, a saudade e a tristeza se espalharam sem dó, empoeirando tudo de sombra. a cada segundo, toda água saía dos olhos e me naufragava a alma. a cabeça, que deveria ser salva-vidas, virou âncora. me arrastou para o fundo e me deixou presa nas relações que agora tomam forma de fim. se acabam aos poucos, com gritos de dor de corpos que já não mais sustentam viver. os urros que nos deixam surdos e perdidos, desesperados para salvar já não se sabe mais o que, talvez nós mesmos.