sábado, 27 de agosto de 2011

fora de mim

Não sei se escrevo na primeira ou na terceira pessoa.
O eu parece de fora, como se eu olhasse pra mim de um ponto distante.
Tudo começou ontem. Na verdade, acho que começou a mais tempo, mas ontem o estranhamento beirou o descontrole. Levantei da cadeira do bar, ainda eu, para ir ao banheiro. Ao me olhar no espelho, não me reconheci. Mudei a expressão facial diversas vezes para ver se a sensação de estranhamento se amenizava, mas ela não passou. Resolvi, por aquele momento pelo menos, deixar esse pensamento de lado e voltar à mesa. Durante o tempo passado no banheiro bateu um certo desespero de não conseguir mais voltar pra dentro de mim. No restante da noite a sensação passou, mas hoje voltei a pensar nisso. Sempre me incomodou a sensação de não ser espontânea para mim mesma. Parece que meu eu, pra mim, está sempre sob controle. Esse controle que me parece sempre a imagem que realmente quero passar e não o que realmente sou, se é que existe um realmente ser. Então, naquele breve momento no banheiro, não reconheci a pessoa do espelho. Pessoa que deveria ser, pra mim, a mais íntima de todas. Seria eu ou o eu dos outros? Aí passo a problematizar a próxima questão: como me entregar as pessoas se nem eu mesma sei lidar comigo? Talvez precise passar por uma longa jornada de auto-conhecimento.

sábado, 6 de agosto de 2011

de olhos fechados

as mãos passam pelo corpo,
acariciam o rosto com carinho,
compartilham-se abraços,
os olhos sempre fechados.
materialmente não falta nada.
está tudo ali, mas os olhos insistem em continuar fechados.
para tudo existir tem que ser assim: cego.
se os olhos da verdade tão difícil de ver se abrem
para onde você foi? tudo desmorona.
e mãos não passam de dedos
e abraços não passam de braços entrelaçados como numa luta contra a realidade.
mais difícil do que estar só é não estar contigo.
não dá mais. você não vai mais voltar a ocupar o espaço que deixou e ninguém consegue preenchê-lo.
a doença é crônica, mas não terminal.
pode-se viver a vida toda com ela e apenas em alguns momentos lembrar de sua existência.
ainda estou na fase um: a descoberta. ainda sofro com o impacto da percepção de que tenho um buraco enorme no peito e que terei que conviver com ele para sempre. dessa forma, penso nele frequentemente.
não tem cura, mas o tratamento pode ajudar a reduzir consideravelmente seu tamanho.
uma boa dose de tempo para começar.