sábado, 29 de novembro de 2014

o dia em que descobri a poesia


o dia em que descobri a poesia
não foi longo nem curto
não foi calma nem surto
não tinha 24 horas
ou demoras
ou esperas ansiosas.

o dia em que descobri a poesia
não lembro ao certo
se estava claro ou escuro
se era presente, passado ou futuro
se era solidão ou tumulto.

o dia em que descobri a poesia
fez sol em mim.
acolheu
esquentou
ardeu
e alumiou.
nasci e me pus em tons de laranja.

o dia em que descobri a poesia
fiz amigos
nas mesas de bares dos livros
conversamos sobre tantos temas
em ritmos de poemas
viajamos por universos inteiros
em versos passageiros
e sem formalidades
combinamos assim
hoje é por minha conta
amanhã cê paga pra mim.

o dia em que descobri a poesia
ganhou vida
e é regado no meu jardim
bem junto das margaridas.



é quase dezembro
o calor me lembra aquelas férias
me refugio nas marquises
escassas
enquanto meus passos
se perdem
a caminho da estação

por uma viela estreita
desemboco no teu corpo
nu da cabeça aos pés
na mais pura ligação com o tudo mais

percorro sem pressa
teus becos
teus recantos escondidos
paraísos e infernos
perdidos

o cheiro doce
a barba espessa
os olhos de um amor melancólico
meu peito colado no seu.

palpitamos em sintonia.

em princípio um forró acalorado
axé suado
até o gozo abafado
no travesseiro

termina valsa
de despedida
de fim de festa
acabando de súbito
em embriaguez desmedida
com a doçura da seresta.

recordo em detalhes
o conforto dos teus braços
ao redor de mim.
adormeço acordada.

somos quentura gostosa
somos noite de verão

mas a dor evapora
quando o tempo é quente
e à certa hora
como já se sabe
não escapamos
da força da torrente.

meus olhos inundados
embaçados
não tenho mais volta.

o corpo cansado
envelhecido
sem sentido

sento no meio fio
e choro
choro
choro sem parar

deságuo nas curvas de um rio
que ainda não sei navegar.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Dia de trabalho
Exatos 60 minutos
Jacaré-Ipanema
Mangueira
Leopoldina
Providência
Tabajaras
Praia de Ipanema
Vinícius de Moraes
Poeta e diplomata
O branco mais preto
Dum bairro que de preto
Só o vidro dos carros importados
O garçom
O segurança
E o menino magro
Pernas de caniço
Que mora em qualquer calçada
E cujo único sentimento que desperta é medo.
Prendam aqueles
De dentes ainda de leite
Antes que se tornem
Marginais definitivos
E venham de caninos e incisivos
Pra cima de nossas propriedades,
De nossa liberdade de expressão
de ódio
racial.
Vamos mantê-los invisíveis
Enquanto limpam nossas privadas
Servem nossa comida
Criam nossos filhos.
Sorriam, insolentes,
Mostrem os dentes!
E agradeçam o presente,
a escravidão,
Que nós, solidários e cristãos,
Oferecemos de coração.
Mudei-me
prum lugar mais amplo
arejado
Arejei-me.
Sem espaço nos caixotes
a vida deixou as frestas
desfila
agora
rastejante
pelo chão da sala de estar.
Faz fila com suas companheiras na cozinha
Canta na janela
E até mesmo a mosca
com seus estigmas
passeia nessa rima.
A vida não incomoda
mais
convivemos bem.
Itinerante
pelos seres miúdos
aparece pra mim
como convém.